Porque pastores se matam?
Por Gerson Borges
“Solto a voz nas estradas
Já não quero parar
Meu caminho é de Pedra
Como posso Sonhar ?
Sonho feito de brisa
Vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto
Vou querer me matar”
( Milton Nascimento/ Fernando Brant )
Já tem um monte de gente perguntando, debatendo e conversando a respeito, mas essa manhã , lidando com minha agenda pastoral e suas infindáveis, enormes demandas bio-psiquicas-espirituais , a pergunta retornou . E não fugi da mesma. Encarei.
Pastores se matam porque pensam que são Deus. Podem resolver tudo. Quando acordam desse desvario, quando a fatura chega , não tem tem como bancar. Já brinquei de ( ser ) Deus. Brinco mais, não. Saí fora. Literalmente, não tem graça !
Pastores se matam porque são pessoas boas. Só pessoas boas ficam deprimidas. Pastores-lobos ficam cínicos. São discípulos de Hofni e Finéias. Usam as pessoas. Gente se deprime. Psicopatas , empatia zero , deprimem, destroem os outros.
Pastores se matam quando vestem máscaras de santidade. Não brigam com a mulher. Têm filhos perfeitos. Nunca pecam. Oram muitas horas por dia. Retornam, respondem no mesmo dia um número infindável de ligações e esvaziam sua caixa de entrada de emails antes das 18h. Ah, jamais deixam acontecer o absurdo de uma mensagem de whatsapp ficar mais de 1h sem resposta. Imagina!
Pastores se matam porque não conseguem dizer não . O que vão dizer deles ? Estão ali pra servir. São pagos para atender a todos o tempo todo. “Ovelha é um bicho carente, não sabe se cuidar “, eles argumentam. E vai que se engracem para outro rebanho, outro redil ? “ Pastor tem de ter cheiro de ovelha”. E quem disse que o cheiro é bom ? Onde já se viu feridas purulentas do pecado cheirar a alfazema?
Pastores se matam porque querem concorrer com o consumismo religioso. Pregam o Evangelho, enquanto os outros, os lobos, pregam autoajuda espiritualizada. Proclamam as Escrituras enquanto os Lobos vendem prosperidade. É uma luta desleal. Lutar ingenuamente essa luta é uma máquina de moer carne.
Pastores se matam porque não podem trocar de carro sem ouvir piadinhas egoístas. Se compram casa – em geral, financiada a perder de vista , “estão enriquecendo mesmo à custa das pobres ovelhas”. Ouvi uma vez : “Você chegou em São Paulo com uma mão na frente e outra atrás!” O que dizer? Um frase de tamanha mesquinharia merece réplica ? Tô com preguiça. Sério.
Pastores se matam porque não cuidam do corpo , não brincam. Devem dormir de paletó, não é possível. “Nosso descanso não é nesse mundo”, escutei um deles. Querem ser maiores que o seu Senhor, contrariando a admoestação bíblica. Jesus dormiu , cochilou de cansado. Se bobear, pastores não dormem nem à noite…
Pastores se matam de raiva, de tristeza, de crise vocacional, de frustração, de pobreza , de baixa autoestima, de falta de sexo, de decepção, de abandono, de tanto trabalhar, de falta de férias decentes, de cobranças injustas, de tanto se cobrar por não saber tudo , ser bom em tudo – pregar como Agostinho, Spurgeon e Bily Graham, Tim Keller, visitar como um psicólogo ou médico da família , administrar como um CEO, pensar como um filósofo , ensinar como um PHD, ser pai como um guru familiar. Já pensou ? Um profissional assim ( sem falar que não podem ser profissionais – até porque não podem cobrar como um ) merece que salário? Pastores se matam aos poucos. E aos montes. Quietos no seu abandono, na sua tristeza de não ser que os outros acham que são – ou querem que sejam , santos impecáveis.
Pastores se matam porque adoecem. Como qualquer outro ser humano – que, se não se tratar, entra em colapso . Stress é o “pecado que jaz à porta” do pastor. Pecados sexuais idem. Orgulho então… O pastor, como os profissionais da saúde , os policiais e outras carreiras de risco , deveriam ser cuidados e não apenas cuidar. Quem cuida de quem cuida, como pergunta uma amiga terapeuta , Roseli Kunhrich ? Quem cuida do seu pastor?
Pastores se matam porque passam a ler a Bíblia só para fazer sermões , porque desconhecem o Ócio Santo e Criativo, por que não ouvem música , não namoram, não dançam , depois de um ” vinho com a mulher da sua mocidade ” ( Pv 5.18 ). Nem leem João Crisóstomo, Richard Baxter, Eugene Peterson , Osmar Ludovico, Ricardo Barbosa, verdadeiros pastores de pastores !
Sou pastor. Não vou me matar. Não posso morrer pelos pecados dos outros. Nem pelos meus! Jesus já fez isso . Aliás, o Pastor mesmo é Ele . O Bom Pastor. Eu? No máximo, como diria Fernando Pessoa, sou “um guardador de rebanhos”. Pecador. Isso só e olhe lá . Se você é um pastor de verdade , “companheiro dos outros no sofrimento” ( Ap 1.8 ), fique esperto. Não se mate por nada. Nem por tudo. Morrer por Jesus é uma coisa bem diferente de se matar pelo rebanho. Ou por ambições neuróticas e messiânicas.
Gerson Borges é pastor e cantor