DESTAQUEESPORTE

Tóquio 2020: o surfista olímpico que precisou aprender a andar de novo após lesão cerebral

Como todo surfista profissional, o australiano Owen Wright sempre está em busca da onda perfeita, mas isso não o impede de esquecer os riscos do esporte pelo qual é apaixonado.

Ele vai direto ao ponto. “Tive de aprender a andar de novo e a voltar a surfar.”

A temporada de 2015 ia muito bem para Wright, que ficou em quinto lugar no WSL Championship Tour (Circuito Mundial de Surfe). Na ocasião, ele estava no auge de sua forma física e buscando o título mundial.

Mas enquanto treinava para o torneio no Havaí, um wipeout (quando o surfista cai da prancha ao surfar uma onda) mudou tudo.

Uma onda de mais de 4 metros o acertou em cheio, deixando-o com hemorragia e inchaço no cérebro, além do diagnóstico de uma lesão cerebral traumática.

“Alguns dos detalhes ainda estão um pouco confusos para mim”, diz Wright à BBC Sport.

“Uma onda quebrou na minha cabeça e me sacudiu tanto que eu meio que perdi os meus sentidos. Foi um longo caminho de volta a partir daí. Me disseram que tudo ainda está lá (no meu cérebro), é só reconectar esses padrões cerebrais.”

O surfe corre nas veias da família de Wright. Ele e seus quatro irmãos surfam; a irmã Tyler é bicampeã mundial feminina, enquanto o irmão Mikey também participa do WSL Championship Tour.

“Meu pai compartilhava da teoria de que se você consegue fazer um filho surfar, é fácil ser pai”, brinca ele.

Quando Wright sumiu dos campeonatos e dos olhos do público, foi sua família quem o ajudou a se recuperar da lesão.

Ele relutava em aceitar a gravidade do problema e agia “como se não houvesse nada de errado” porque o dano não era visível — sem cortes ou arranhões, sem gesso ou muletas.

No final, a família teve que intervir.

“Acho que nunca entendi totalmente a seriedade disso por causa da natureza da lesão. Fiquei um pouco doidão”, diz o atleta de 31 anos.

“Se você perguntar aos meus amigos e família, eu estava tentando surfar o tempo todo. Eles tiveram que esconder minhas pranchas de surfe. Mal conseguia andar toda a extensão da casa, mas ainda assim continuava a tentar surfar.”

Quando finalmente conseguiu reaver suas pranchas, alguns meses depois, o retorno à água não foi tão fácil como esperava.

“Não conseguia ficar de pé. Simplesmente não sabia como me levantar.”

Isso foi em março de 2016.

Um ano depois, em março de 2017, ele venceu o Quiksilver Pro Gold Coast — sua primeira competição de volta ao circuito, 15 meses após seu acidente.

Foi uma vitória especial também por outro motivo. Ele derrotou na final seu melhor amigo, Matt Wilkinson, que esteve ao seu lado durante sua recuperação, e foi recebido na praia por sua agora esposa Kita e seu filho bebê.

“Ainda estava muito afetado e havia muita briga sobre se deveria estar surfando ou não”, lembra Wright.

“Para mim, ganhar aquela primeira competição do ano foi algo extremamente especial, e me mostrou o poder de sonhar, de ter um objetivo em mente e nunca perdê-lo de vista.”

Wright permaneceu com efeitos duradouros da lesão, embora “nada do que realmente possa reclamar”. Ele toma precauções extras agora e muitas vezes pode ser visto vestindo um capacete durante os treinos e competições.

Esse item de proteção é raro no surfe, mas Wright quer vê-lo se tornar mais comum. Tornou-se assim um de seus mais notórios defensores.

“Uso sempre que sinto que há risco para mim. Se o fator de risco aumenta, coloco um capacete”, diz ele.

“Se tem muita gente e o mar está lotado, coloco o capacete, porque existe o risco de a prancha atingir minha cabeça. Se as ondas são grandes, coloco. Se tem pedra, também.”

“Há muitos surfistas por aí, desde iniciantes a excelentes surfistas, que não estão entendendo o risco para sua cabeça e seu cérebro. Existe uma solução simples para isso. Existe um capacete e quero que ele se torne parte do surfe.”

Owen Wright estava usando capacete quando venceu o Tahiti Pro Teahupo’o em 2019 — com uma das maiores ondas do mundo. Também pode vir a usar um nas próximas semanas quando ele, e o surf, fizerem sua estreia olímpica em Tóquio.

Ao contrário do Taiti, onde serão realizadas as provas de surfe das Olimpíadas de Paris 2024, o Japão não é conhecido pela prática do esporte e a praia de Tsurigasaki não oferecerá as maiores ondas aos competidores.

Mas os Jogos foram a luz no fim do túnel para Wright, uma chance de vestir as cores de seu país no maior evento esportivo do mundo e levar o surfe a um novo público.

“As Olimpíadas eram um grande objetivo meu”, diz ele. “Eu meio que perdi o ritmo do título mundial devido a uma lesão na cabeça e minha capacidade de fazer manobras estava bastante prejudicada, mas ainda consigo surfar muito bem, e via a classificação para as Olimpíadas como uma possibilidade muito real.”

“Então, coloquei todo o meu esforço nisso e acabei me classificando em primeiro lugar na Austrália. Foi um momento em que senti que estou de volta.”

“Adoro conquistar coisas no esporte e senti que não fui capaz de alcançar o que gostaria (depois da lesão). Ser selecionado para as Olimpíadas foi, assim, uma vitória pessoal.”

E será que uma vitória ainda maior está por vir?

“Acho que vai ser interessante”, diz Wright. “Acho que tenho uma chance muito boa.”

Foto: GETTY IMAGES

(BBC News)

Deixe um comentário